Com um grande atraso, face ao que se esperaria, o Presidente do STJ decidiu publicar os seus despachos relativos às escutas em que foi envolvido o Primeiro-Ministro. Esses despachos continuam, porém, a ser extremamente obscuros, sendo que num deles apenas se invocam razões formais para invalidar a decisão do procurador e do juiz de Aveiro, com base numa interpretação que me parece muito controversa da Reforma do Código de Processo Penal de 2007. A ser correcta essa interpretação, teríamos mais um exemplo de que a Reforma de 2007 foi pensada essencialmente para estabelecer um regime de privilégio para titulares de altos cargos políticos, em que o seu juiz de instrução seria sempre o Presidente do STJ.
O que me parece gravíssimo é a opinião pública não ter qualquer informação sobre o que efectivamente se passou nesse processo por parte das mais altas instâncias do poder judicial que, como diz a Constituição, exercem a justiça em nome do Povo. Não está em causa a revelação de escutas, com maior ou menor linguagem desbragada, que é efectivamente dispensável. Está em causa saber quais foram os factos invocados pelo Tribunal de Aveiro que motivaram a intervenção do Presidente do STJ. Ora, os seus despachos são absolutamente omissos em relação a esses factos.
O triste estado do nosso regime democrático fica à vista se fizermos a comparação deste caso com as célebres "Nixon Tapes". Conforme se sabe, o Washington Post decidiu investigar o envolvimento da Administração Nixon no caso Watergate, tendo a certa altura, começado a suspeitar do envolvimento do próprio Presidente Richard Nixon. Soube-se então que o Presidente Nixon tinha o hábito de gravar as suas conversas na Casa Branca. Sabendo-se que essas gravações poderiam comprovar (ou não) o envolvimento do Presidente no caso, o Supremo Tribunal americano intimou o Presidente para que entregasse todas as gravações, tendo este renunciado ao cargo quando se descobriu que tinha apagado parte das mesmas. Naturalmente que as gravações foram posteriormente publicadas, uma vez que se entendeu que o povo americano tinha o direito de escrutinar os actos da sua administração.
Em Portugal, pelo contrário, o povo português é deixado na ignorância total, tendo inclusivamente já decorrido umas eleições nessa situação, para depois delas se fazer sair apenas explicações insuficientes, que só comprovariam a existência de um regime processual penal de excepção, insustentável num Estado de Direito democrático. Para quando um esclarecimento cabal e sem reservas de toda esta estória?