sábado, 21 de novembro de 2009

O comunicado da Procuradoria-Geral da Republica

Não me parece que em qualquer outro país democrático a Procuradoria-Geral da República pudesse fazer um comunicado com a vaguidade deste em questão tão séria. Sabendo-se que o Procurador e o Juiz de Instrução da Comarca de Aveiro entenderam existir nas escutas indícios de atentado ao Estado de Direito, o Procurador-Geral da República limita-se a dizer que os indícios não se confirmam e ordena o arquivamento do processo. Não é dada qualquer explicação para a divergência entre os vários responsáveis pela investigação e deixa-se o País na ignorância total sobre o que efectivamente se passa.
Sempre achei que a obscuridade no funcionamento da justiça era uma das principais razões para o seu descrédito. Agora parece que ainda se quer reforçar mais o segredo de justiça, o que é insistir num péssimo caminho. Daqui a pouco, o segredo de justiça será a justificação para os políticos não prestarem contas de nada, e para a fiscalização da actividade política deixar de ser exercida. A sensação que temos é a de que o regime se afunda e, como no Titanic, a orquestra continua a tocar como se nada se passasse.

3 comentários:

Anônimo disse...

O problema do segredo de justiça nada tem que ver com o “desmascarar” de prevaricadores, muito pelo contrário, tem que ver sim, com a salvaguarda da intimidade da vida privada das pessoas sujeitas a essas mesma escutas. A justiça está transformada num circo, porque o mediatismo dos profissionais forenses atingiu um ponto de tal ordem, que se deixaram de conhecer limites seja em que campo for. Não é digno de uma democracia discutir insistentemente os processos em inquérito ou julgamento (de um modo sistemático) em praça pública. E muito menos digno é, Advogados, Magistrados judiciais e MP e outros funcionários judiciais procurarem de uma forma muito pouco ética os holofotes da fama que se escondem por detrás da imprensa. Por isso, sou da opinião que seria benéfico voltarmos ao sistema anterior, talvez desse modo se acabasse a anarquia que há muito tomou conta dos nossos tribunais.

Luís Menezes Leitão disse...

Infelizmente, não posso concordar com o seu comentário. O segredo de justiça não tem a ver com a defesa da intimidade da vida privada, mas com a protecção da eficácia da investigação criminal. A eventual prática de crimes não está coberta pelo direito à intimidade da vida privada. Quanto às escutas, são um meio de investigação invasivo, mas por isso mesmo têm que ser autorizadas por um juiz. Existindo eventuais suspeitas de irregularidades na gestão dos negócios públicos, tenham ou não relevância criminal, numa sociedade democrática têm que estar sujeitas ao escrutínio dos cidadãos, que é quem elege os governantes. Acho insustentável invocar o segredo de justiça para não prestar esclarecimentos sobre essas situações. Parece-me por isso ser um péssimo caminho incrementar o actual regime do segredo de justiça.

JB disse...

Em primeiro lugar, depois de receber as certidões, o PGR não abriu inquérito criminal como seria obrigatório neste e noutros casos sempre que o MP receba a notícia de um crime(art. 262º do CPP).

Não tendo sido aberto inquérito e tendo, por isso, o assunto sido tratado em sede de mero expediente administrativo, não se aplicam as regras do segredo de justiça que naturalmente só valem para o processo penal (isto, claro está, sem esquecer as escutas que, essa sim, são secretas).

Donde, os despachos proferidos pelo PGR e pelo Presidente do STJ teríam de ser públicos, tendo qualquer cidadão, ao abrigo do direito à informação, acesso aos mesmos. Naturalmente que se os jornalistas tentassem ter acesso aos despachos, outras questões se colocariam, nomeadamente saber se tais despachos foram fundamentados, como também deviam ser.

Ems segundo lugar, coloca-se a questão de saber o valor jurídico destes despachos. Serão juridicamente inexistentes por terem sido proferidos fora do processo próprio que é o penal? Segundo alguns penalistas, parece que sim. Mas então não deviam ser obedecidos pelo juiz de instrução de Aveiro que corre o risco de estar a destruir escutas cumprindo ordens emanadas por meio de despachos juridicamente inexistentes.

Enfim, perdoe-se-me a expressão, mas isto é uma trapalhada. E, por isso, não sou desfavorável à ideia de que deveria haver uma comissão parlamentar para apurar o funcionamento da justiça neste caso. Obviamente, o objecto dessa comissão não deveria ser o apuramento da existência ou não de indícios criminais contra o PM, mas sim, dos procedimentos seguidos e da sua conformidade com a lei.